A decadência econômica europeia

Mirelli Malaguti -

As elites europeias, confortáveis por trás da segurança do espartilho do euro combinado com a austeridade fiscal, alinharamse aos movimentos dos Estados Unidos sem objetivos próprios relevantes. Em particular, com as sanções à Rússia após a guerra na Ucrânia, cortaram alegremente o fornecimento de gás russo — vital para a sua economia e para a vida social

 O  sistema interestatal capitalista atual nasceu na  expandiram seu poder e instituições pelo mundo e Europa, de onde as potências desse continente  estabeleceram a Ordem Mundial moderno. Hoje, essa ordem encontra o declínio militar, econômico e moral dessas antigas potências europeias, enquanto se observa o enfraquecimento relativo dos Estados Unidos—sucessor e liderança desse projeto europeu— que vem perdendo influência e legitimidade na Ordem Internacional. 

 Mas é importante destacar que a forte queda econômica europeia nestes últimos anos já constitui seu principal problema da Europa para recuperar importância no atual sistema de nações e potências. Assim, com a sua perda de relevância econômica global, a Europa também está perdendo centralidade em questões militares, políticas, sociais e culturais, refletindo a mudança do eixo do mundo para fora dela — o que representa, nesse sentido, a maior novidade histórica até hoje nas modernas relações internacionais.

 A economia da União Europeia cresceu somente 0,9% em 2024, após uma expansão mínima de 0,4% no ano anterior. O crescimento do PIB em toda a União Europeia teve uma média de 1,6% de 1996 até 2024, atingindo o pico de 6,30 por cento em 2021 e o mínimo recorde de -5,60 por cento em 2020.

 O Euro introduziu tensões de política económica entre os países membros, por meio da imposição de uma moeda única sem mecanismos de transferências fiscais equivalentes ou de completa união bancária. Desde a crise financeira de 2008, a zona do Euro passou a enfrentar desafios crescentes em sua integração econômica e governança monetária. 

 A reação à crise privilegiou a austeridade fiscal, com efeitos recessivos. As instituições da UE e da Zona Euro também foram forçadas a evoluir: criação de mecanismos como o European Stability Mechanism (ESM), nova supervisão bancária e reformas no pacto fiscal. A crise resultou em forte recessão na Europa, especialmente entre 2009-2013, com queda do PIB, aumento do desemprego, especialmente entre jovens, e desequilíbrios regionais profundos. Politicamente, a crise gerou tensão entre membros da UE, aumento de euroscepticismo, pressão por reconfigurações institucionais, e debates sobre soberania, integração e solidariedade europeia. 

 A UE apresenta debilidades persistentes em inovação, produtividade e integração financeira. Desde 2008, o PIB per capita europeu recuou cerca de 10 p.p. em relação aos EUA. A Europa depende de importações para cerca de 80% de seus produtos digitais, e mantém mercados de capitais fragmentados, o que limita o financiamento de empresas inovadoras e a escala tecnológica necessária para competir globalmente. O ascendente domínio econômico da China sobre cadeias de suprimentos críticas, como semicondutores, inteligência artificial e minerais estratégicos, aprofunda a dependência e vulnerabilidade tecnológica do continente.

Impactos Econômicos da Guerra da Ucrânia sobre a União Europeia

 A guerra da Ucrânia desencadeou a maior crise energética da Europa desde 1973, com o corte abrupto do gás russo — responsável por 40% do consumo europeu —, o que elevou o preço do gás em mais de 700% e levou a uma inflação recorde de 10,6% em 2022.

 A indústria, especialmente Alemã e Italiana, sofreu retração acentuada, resultando em recessão técnica e perda de competitividade, com realocação de empresas para países com energia mais barata.

 O Banco Central Europeu respondeu com forte alta de juros (de –0,5% para 4%), encarecendo o crédito e desacelerando a economia. Governos lançaram pacotes de apoio energético e militar superiores a €700 bilhões, ampliando o endividamento público (média de 88% do PIB).

Socialmente, o aumento do custo de vida provocou protestos e polarização política, fortalecendo forças populistas e eurocéticas em vários países da UE. 

 Nesse sentido, a Guerra da Ucrânia é vista como uma força do processo de intensificação da desindustrialização e queda de produtividade da indústria européia. O caso alemão é mais emblemático: a produção econômica da Alemanha está estagnada desde 2018 e o investimento corporativo em máquinas e fábricas caiu abaixo dos níveis de 2015.

A remilitarização européia 

 Nesse contexto, a Otan estabeleceu um acordo para aumentar os gastos militares para 5% de cada PIB nacional, buscando um reposicionamento estratégico e econômico por meio do investimento em Defesa conceito que inclui resiliência, segurança cibernética e infraestrutura crítica — até 2035. O consenso político é alavancar os gastos com defesa para superar essas fragilidades estruturais e garantir a autonomia estratégica. Diante da convergência entre vulnerabilidades estruturais e ameaças geopolíticas, consolida-se na Europa um consenso político em torno da defesa como vetor de reindustrialização, soberania tecnológica e autonomia estratégica. 

 Para atender às metas coletivas, a UE projeta a mobilização adicional de cerca de € 800 bilhões até 2030, distribuídos entre programas de modernização militar, inovação tecnológica e fortalecimento da base industrial de defesa. Alemanha: anunciou um aumento acumulado de 104% nos gastos de defesa, alcançando cerca de € 153 bilhões até 2029, superando pela primeira vez o marco histórico de 2% do PIB. França: busca atingir 3,5% do PIB, mas enfrenta restrições fiscais estruturais que limitam o ritmo de expansão orçamentária. Polônia: desponta como um dos casos mais agressivos, aproximando-se rapidamente da meta de 4% do PIB, consolidando-se como potência militar regional.

 A União Europeia busca construir uma Base Industrial e Tecnológica de Defesa (BITD) sólida, capaz de garantir autonomia estratégica e fortalecer a competitividade tecnológica. A estratégia visa criar uma produção inteligente, escalável e de baixo custo, baseada em automação, digitalização e inteligência artificial.

 Diante da fragmentação e da dependência de pequenas e médias empresas, a UE aposta na consolidação industrial e no controle estratégico de ativos sensíveis, como mostrou o veto francês à venda da Photonis a um grupo americano. O paradigma da “Nova Defesa” integra inovação civil e militar, com tecnologias de uso duplo (IA, drones, espaço, cibersegurança), transformando o setor em motor de crescimento e inovação sustentável.

 A Alemanha planeja um ambicioso pacote de €377 bilhões para expandir e modernizar suas forças armadas — parte de um esforço de remilitarização em escala europeia. O plano inclui cerca de 320 novos projetos para as forças terrestres, aéreas, navais, espaciais e cibernéticas, destinando metade dos recursos à indústria nacional de defesa, com destaque para a Rheinmetall e a Diehl Defence.

 Estão previstos investimentos em tanques, sistemas de defesa aérea, satélites, drones e caças F-35, além de mísseis Tomahawk.

 Berlim alterou suas regras fiscais para permitir gastos militares de longo prazo, além do fundo especial de €100 bilhões criados em 2022.

 O chanceler Friedrich Merz prometeu tornar a Bundeswehr o “exército convencional mais forte da Europa” até 2029, justificando o rearmamento com a ameaça russa — acusação que Moscou classificou como “sem sentido”.

 Esse reforço ocorre em meio a um cenário econômico adverso, com crescimento estagnado e declínio industrial, refletindo a tentativa da Europa de transformar os gastos em defesa em motor de soberania tecnológica e recuperação econômica.

 A velha estratégia da máquina de guerra

 As elites europeias, confortáveis por trás da segurança do espartilho do euro combinado com a austeridade fiscal, alinharamse aos movimentos dos Estados Unidos sem objetivos próprios relevantes. Em particular, com as sanções à Rússia após a guerra na Ucrânia, cortaram alegremente o fornecimento de gás russo — vital para a sua economia e para a vida social. A prolongação desse conflito já se faz sentir nos níveis de vida de uma população europeia fortemente golpeada pelos impactos da crise de 2008 e da Covid-19.

 Enquanto Trump demonstra pouco interesse pelos problemas europeus e ignora em grande medida a Europa, as elites europeias passaram a promover uma forte militarização — que impactará negativamente a vida das populações — na tentativa de recuperar a sua relevância global original. Em definitivo, trata-se de uma aposta na velha estratégia da máquina de guerra.

 

[Artigo tirado Boletín nº 14, novembro de 2025, do Observatório Internacional do século XXI]

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